Reportagem da Folha de São Paulo aponta uma verdade importante: a seletividade da denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que foi baseada na deleção do ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, Mauro Cid, mas deixou de lado trecho da própria delação. "Ao mesmo tempo em que exalta pontos que incriminam o ex-presidente, deixa de fora falas do ex-auxiliar que contrastam com a acusação", apontou a reportagem.
O confronto nas informações foi possível graças aos trechos dos vídeos e áudios da delação, liberados pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes. Os conteúdos mostram que os três últimos depoimentos (entre novembro e dezembro de 2024) têm várias afirmações do tenente-coronel que não foram considerados.
Desde que firmou delação, em setembro de 2023, Cid promoveu alguns episódios de contradição em suas declarações. Em áudios que invejaram um interlocutor e que vazaram, chegaram a dizer que estava sendo pressionado a relatar episódios que nunca ocorreram. Por outro lado, mudou em novembro a versão que vinha dando após ser confrontado por elementos de investigação e se ver ameaçada de perder a delação e ser presa.
PLANO "PUNHAL VERDE AMARELO"
O que diz a denúncia: a PGR afirma que Bolsonaro sabia do plano e o autorizou. Usa para isso uma troca de mensagens entre Cid e o general Mário Fernandes, possível autor do documento. O general fala de uma conversa com Bolsonaro, que teria dito que “qualquer ação” poderia ocorrer até 31 de dezembro.
O que Mauro Cid disse: Nos depoimentos, o tenente-coronel afirma que não saber se Bolsonaro sequer tomou conhecimento do documento. “Eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não do plano que foi tratado, do Punhal Verde Amarelo, e se o general Mário levou esse plano para ele ter ciência ou não”, disse.
MONITORAMENTO DE MORAES
O que diz a denúncia: Cid teria confirmado que Moraes foi monitorado duas vezes, um a pedido de militares que fariam parte do grupo operacional do Punhal Verde Amarelo e outro a pedido do próprio ex-presidente. “Mauro Cid confirmou, ainda”, escreveu Paulo Gonet, que “quem solícito o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes ‘foi o ex-presidente Jair Bolsonaro'”.
O que diz Mauro Cid: Na versão de Cid, Bolsonaro pediu o monitoramento não no contexto da operação de assassinato, mas porque estaria irritado por ter recebido a informação de que o ministro, seu desafeto, estaria se encontrando com seu vice, Hamilton Mourão.
ASSASSINATO ABORTADO
O que diz a denúncia: A PGR aponta que no dia 15 de dezembro de 2022, dados em que a operação de assassinato de autoridades teria sido colocada em prática e abortada. A PGR destaca mensagens entre um dos militares e Cid, que estava fora de Brasília.
"Após a operação ser abortada, Rafale Martins de Oliveira enviou mensagem, às 21h05, via aplicativo WhatsApp, para Mauro César Barbosa Cid, afirmando 'Opa'. Cid respondeu, às 21h16, com 'vou mudar de posição'." De acordo com a denúncia, evidenciou-se que Cid recebeu informações atualizadas sobre o andamento das ações.
O que diz Mauro Cid: Tenente-coronel garantiu que estava em local de difícil sinal de telefonia celular e que não se comunicou com os militares.
REUNIÃO EM BRASÍLIA
O que diz a denúncia: A reunião de militares em Brasília, no dia 28 de novembro de 2022, no contexto da elaboração de uma carta interna com a intenção de atacar o comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, a aderir ao golpe.
O que diz Mauro Cid: Na versão de Cid, no encontro não se discutiu nenhuma medida específica no sentido de golpe. Foi um "bate-papo de bar" de militares que estavam inconformados com a derrota eleitoral.
Cid foi enfático: "Naquele momento ninguém botou um plano de ação, é esse ponto que eu quero deixar claro, ninguém chegou com um plano e botou um plano na mesa e falou assim, 'não, nós vamos prender o Lula, nós vamos matar, nós vamos espionar'", disse Cid em depoimento à PF em 19 de novembro.
Dois dias depois, diante de Moraes e sob pressão de ser preso e ter a delação cancelada, mudou a versão sobre uma reunião anterior, na casa do general Walter Braga Netto, afirmando que ali se discutiu alguma ação para promoção de caos social que justificasse a ruptura. Ele reafirmou, porém, que não acompanhou toda a reunião e que não sabe dizer o que foi planejado exatamente.
TROPAS NA RUA
O que diz a denúncia: denúncia contra o general Estevam Theófilo, chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter) considerada a delação premiada de Cid e aponta que, em mensagens, o tenente-coronel deu a entender que Theófilo aceitaria colocar as tropas nas ruas em prol de Bolsonaro caso ele assinasse uma medida de exceção.
O que diz Mauro Cid: Ele afirmou acreditar que Theófilo seguiria as ordens do Alto Comando do Exército e que não passaria por cima da autoridade do comandante da Força. "Se o presidente desse a ordem... Mas o problema é, eu não sei se ele passaria por cima do general Freire Gomes. Isso não posso confirmar. As conversas que eu tive com ele, até com o Cleverson, que era o assessor dele, era que ele não iria passar por cima do general Freire Gomes", disse Cid.